Desaparecera um corpo, disso não havia dúvidas! Como terá sido possível? Quem poderia ter entrado aqui? Só eu conheço este lugar, só eu tenho a chave, como pode ter desaparecido um corpo?
O monge, batina castanha até aos pés, caminhava corredor abaixo, corredor acima, com o cotovelo esquerdo poisado na mão direita que se encostava ao peito, e com a mão esquerda, coçava os pelos da barba que lhe cobria o queixo nestes pensamentos de voz alta.
Como pode?
Passara a manhã inteira naquele corredor do mosteiro, caminhando toda a manhã, pensativo, e nada lhe ocorria.
O almoço fora normal, na sala de refeição, o mesmo silêncio de sempre.
Alguém me segue. Só posso estar a ser seguido.
Concluía, mal acabava o almoço, um estômago recomposto pensa sempre melhor que vazio.
Desde essa ideia de ser seguido, o monge, não mais olhara vazio para nenhum dos rostos com que se cruzava. Aqueles rostos que tanta vez olhou sem os vê, eram agora, vítimas de grandes observações.
Quem é que será? Tem que ser um deles!
No mosteiro vivem vinte e dois homens. Há dezoito anos que é assim. Para além destes vinte e dois homens, só o fornecedor de leite, pão e carne, que é o mesmo há mais de vinte anos, e o Bispo, contactam com o mosteiro.
Nessa tarde não rezara. Á hora de oração aproveitou-a ele, para discretamente, investir umas olhadelas aos companheiros. Cruzaram-se olhares. O monge desconfia.
Porque não rezam estes? Eu também nem sempre rezo, mas mantém-se sempre o olhar baixo. Que andam estes a ver? Porque olham para mim? Saberão eles de alguma coisa?
Depois da hora de oração o tempo convida a um passeio pelos jardins do mosteiro.
O monge espera, fica para trás, se alguém o segue, esse, ficará agora para trás. Ninguém fica. Ele desespera.
Terei eu alucinado? Estarei eu a ficar chalado da idade? Como pode? Tenho a certeza que falta um corpo!
O monge volta ao local do furto. Agora certifica-se de segundo a segundo que não é seguido. Aparentemente estão todos lá fora no jardim. Mete a chave na fechadura, manda a última mirada para trás, e de um sopro roda a chave e entra o mais rápido possível e de olhos fechados. Abre os olhos, olha o amontoado de esqueletos e ossos já “desqueletados”, não era alucinação! O esqueleto que se encontrava na esquina da masmorra, aquele que parecia estar sentado sobre as costelas de um outro esqueleto, de perna cruzada e encostado á parede com os braços afastados e colocados cada um deles em cima do seu crânio. Desaparecera!
Como?
Uma tontura abanou…
Não pode. Só posso estar a imaginar…
Voltou a cerrar os olhos com força e reabriu-os. Nada! Tudo exactamente na “desmesma”.
Alguém quer dar comigo em maluco só pode. Mas quem? Porquê? Quem é que podia saber que eu reparava sempre naquele esqueleto? Será que sonho alto?
Em virtude da grandeza do mosteiro, quando comparada com o número dos seus habitantes, a disposição dos monges pelos quartos era feita conforme a sua preferência. Mas ainda assim, e em casos normais, em que não há ninguém doente ou alguém que sinta necessidade de privação, todos os monges dormem na mesmo dormitório á excepção de dois monges que dormem num outro quarto, por razões inexplicáveis á luz da nossa razão.
Será que sonhei com este corpo durante a noite e alguém me ouviu? É possível. Mas será que me absorve tanto este assunto, para me por a sonhar alto com ele? Não me parece.
A ideia não era verosímil, no entanto era a única.
Nessa tarde não fora ao jardim, enfiara-se na biblioteca, e de livro na frente, para enganar, pensava nos colegas um a um, hipótese a hipótese de quem poderá andar a segui-lo.
Tem que ser um deles! Ou mais que um. Mas tem que estar aqui dentro o responsável. Mas porquê? Com que intuito? Como descobriram a existência daquele lugar? E mais, como é que esse alguém me conseguiu a chave?
O monge agoniava em incertezas e especulações.
Porque é que aqueles dois olharam para mim na igreja, hoje na oração? Serão eles?
Aos poucos, os monges regressados do jardim iam-se dispondo, aparentemente ao acaso, na biblioteca.
O nosso monge…
Não me chames nosso monge! Já me arranjavas um nome, não?
Como dizia, o nosso monge sentava-se numa mesa estrategicamente colocada para de lá ter uma vista privilegiada para a entrada. A chegada dos dois suspeitos foi feita sem suspeitas. Um deles, foi um dos primeiros a entrar nesse dia na biblioteca, e entrou, sentou-se sem nunca dirigir-lhe o olhar, mais ou menos a meio da sala na ala esquerda. O outro, entrou uns dez minutos mais tarde, quando já estavam quase todos os monges na biblioteca. Este também entrou sem nunca ter lançado uma única vez que fosse para si o seu olhar, sentara-se no fundo da sala na ala oposta a que o primeiro se tinha sentado.
Muito suspeito! O primeiro veio vigiar-me, e o outro foi ás catacumbas mudar os mortos!
Tenho que me por mais atento! Eles têm ar de quem esconde alguma coisa…
E eu? Terei tido? Terei eu também andado por aí com cara de suspeito? Se calhar fui apanhado por isso. Devia andar com uma cara muito suspeita…
O monge já não sabia o que pensar. A demência espreitava a cada novo pensamento. Na verdade verdadinha, o monge já não pensava fosse no que fosse, que não fosse dar aquele corpo desaparecido, mais nenhum outro pensamento lhe atraía o raciocínio.
Chegou o jantar e nada, a oração em conjunto da noite na igreja, nada, veio a hora de deitar, e tudo continuava na maior das insuspeitas. Tudo completamente normal, ou seja, tudo sem que nada deixasse antever, quem pudesse ter participado no roubo do esqueleto da esquina da masmorra.
Os dois primeiros, e únicos suspeitos até agora, agiam de forma completamente banal, até agora, nada de contacto entre eles, e os caminhos para os fundos do mosteiro, por onde se ia para as masmorras, tinham sido minimamente vigiadas, o que fazia com que o monge, pudesse afirmar quase com certeza absoluta, que ninguém podia ter ido esta noite ás catacumbas.
De noite sonhou com isso.
Os esqueletos levantaram-se, e organizaram uma revolução contra os vivos do mosteiro. Viu-se a correr de uns quantos de esqueletos de espadas em riste para o matar.
Acordei aos berros. Gritava: Salvem-me, salvem-me.
O monge que dormia a seu lado no dormitório, acercou-se dele a ver o que se passava, e tranquilizou o monge.
Ele está acordado. Eu sabia. Esteve acordado toda a noite para ouvir se eu sonhava alto. E disfarça bem, o malfeitor que cruzou olhar comigo lá na igreja. Eu sabia. Não adormeci à mais de dez minutos, tive uma insónia terrível, por causa de todos estes meus últimos acontecidos, e ele estava acordado a ouvir-me, por isso foi o primeiro a vir sossegar-me…
Pensava o monge para si, antes de voltar a adormecer como um anjinho…
De facto, o nosso monge exagerava, ele não estava assim tão desconfiado dos outros dois da igreja, decerto que foi coincidência a troca de olhares e ele ter agora acordado para o acalmar.
Tão arranja-me um nome. A mim e aos outros. Queremos nomes…
A seu tempo; quando a luz solar do dia que entrava pelas vastas janelas do mosteiro, permitiam que houvesse luz suficiente no piso inferior, para que se pudesse ver alguma coisa nas catacumbas, o monge voltara lá. E nada. O esqueleto não estava lá. O monge sentara-se no primeiro degrau das escadas que iam desde a entrada das catacumbas até ás paredes do “tanque”, onde se acumulavam os esqueletos uns sobre os outros.
Agora o monge André. E André, era mesmo o nome de criança, pois o de monge, agora era Irmão Francisco, como aliás, era o nome dos restantes monges do mosteiro. Agora, André pensava exactamente nos tempos em que era, o André.
Satisfeito?
Sim; custou-me tanto deixar de ser André! Custou-me tanto deixar as ruas. Vivi tão livre, entre orfanatos e fugas, entre grandes descobertas nas ruas da cidade e arreais de porrada. Decidi, aos quinze anos, e graças ao especial atendimento que sempre dispus do corretor, que era Padre, e que ainda hoje não percebo porquê. É que não sei que raio fiz eu ao homem para ele me tratar tão bem! Não sei porquê, mas ele sempre mostrou uma estima diferente por mim.
Acho que ele conheceu os meus pais. Talvez seja por isso…
Graças a ele estudei e vim parar a monge. O que me salvou das ruas ou de pior. Aqui sempre comi, dormi, instrui-me, cresci e fiz-me o melhor homem que consigo…Graças a ele, também, deixei de ser André.
Eram estes pensamentos que lhe costumam ocorrer das outras vezes que se refugiava neste sítio, só neste local conseguia revisitar os tempos em que era André. Estes, e outros pensamentos, aliás, os pensamentos mais fluidos, saíam lhe aqui, e também por isso vinha para aqui muitas vezes.
Por vezes ficava só observando os corpos, já que para ele, e depois de muito pensamento interior, passara a considerar os esqueletos, corpos. O que os outros achavam do assunto, não sabe, nem nunca fez intenções de saber.
Ficava tempos e tempos de olhar semi-vazio, sobrevoando-o raso corpo a corpo. Por vezes dava-se imaginando que vida teria tido aquele, ou porque é que aquele outro estava em tão bom estado, e o outro em tão mau, e que implicações teriam isso na vida dos seus antigos donos?
Ali os pensamentos voam-lhe.
Voltou a olhar para a esquina do tanque, onde deveria estar o morto que ele sempre reparou.
Onde te meteste? Como podes ter tu saído desse teu lugar de há tanto tempo. Conheço-te há mais de trinta anos e sempre foi esse o teu lugar, o teu, e o de todos. Digo eu, que nunca reparei muito... Bem, bem, era só mesmo em ti que reparava. Aos outros passava-lhe os olhos, mas em ti sempre reparei. Estavas aí, sempre tão descontraidamente, sentado, perna cruzada...
Da forma como te sentavas, por vezes, parecia-me ouvir um:
Oh Sr. Monge, por acaso não têm aí um cigarrito que me arranje, não?
Ás vezes interrogava-me, se no passado, algum engraçadinho tinha descido até ao rebordo do tanque, e te tinha colocado assim de propósito. Nunca me pareceu que tenhas caído assim ao acaso, dessa maneira tão aparentemente descontraída…
Nessa tarde o monge ficara mais tempo nas catacumbas do que era o seu habitual. Felizmente e finalmente, tinha-se conseguido desligar dos pensamentos frenéticos acerca do corpo desaparecido. Desde que dera pela falta dele, esta era a primeira vez que encontrava algum sossego. No local do crime!
Quando chegou à biblioteca, já todos os restantes monges estavam presentes. Há anos que isto já não lhe acontecia.
Todos os dias, desde o dia em que o velho monge que desfaleceu em seus braços, lhe tinha confiado a chave e o caminho a tomar para às masmorras do mosteiro, que foi rara a tarde que não foi lá.
Só de tarde era possível ver alguma coisa naquele local. Sem luz artificial, só com uma fraca luz que requer habituação, e só por cerca das cinco da tarde até perto das oito, no verão, e de Inverno, nos bons dias, das cinco ás seis e pouco da tarde.
Assim o monge André, aproveitava o passeio da tarde de verão no jardim para depois de dar uma caminhada, ia discretamente por volta das cinco e pouco para as masmorras. Lá para as seis e meia, os monges começavam a recolher à biblioteca e o monge vinha discretamente, sempre entre as seis e meia, e as seis e quarenta para a biblioteca.
De Inverno era mais arriscado. Os monges não faziam passeios pelos jardins, andavam mais tempo pelo mosteiro e ainda por cima havia menos luz. Muitos dias, não se vi-a um palmo á frente dos olhos sem o recurso a uma tocha. Mas ainda assim, o monge André arriscava, e todos os dias, lá pelas cinco e meia seis horas, ia dar a sua espreitadela do dia, aos mortos. Porque o fazia? Não sabia? Ou não queria sabê-lo?
Não posso dar nas vistas. Quase nunca me aconteceu perder nas horas e chegar tão tarde à biblioteca. Logo agora que andam a acontecer coisas tão estranhas não vale a pena estar a denunciar o mais indesvendável, dos meus indesvendáveis segredos.
Eram estes os pensamentos que percorriam a mente do monge enquanto ia a uma estante buscar um livro e sentava-se numa mesa desocupada ao acaso, abriu o livro numa página também ela, ao acaso, e ficava de cabeça apoiada na mão a relaxar da pressão de tantos olhares.
De repente sente uma mão nas costas:
- Irmão, não reparou mais deixei cair umas páginas soltas do seu livro.
Até saltou da cadeira de susto, provocando um enorme ruído em tão grande e silenciosa sala.
Corou.
Ainda bem que há a barba.
Levantou-se desajeitadamente e reparava no rio de folhas que deixara da estante até ao seu lugar. Apanhara-as uma a uma envergonhadamente, e voltava ao seu lugar.
Não mais deixou de tremer. O caso estava a ficar fora do seu controlo. Manter a calma era cada vez mais complicado para o monge André.
Tenho que me acalmar. Ficar lúcido. Sempre fui lúcido, porque fraquejo agora?
Há anos que estou encarregue deste segredo e nunca levantei a mínima suspeita, não é agora um pobre de esqueleto andante que me vai tirar do sério. Tenho que manter a calma. Cabeça fria…
Gostei.
Tinha que pensar noutras alternativas.
Que mais que poderá ter acontecido? Se não foi mão humana foi mão de quem? De Deus? Nem ponta de vento lá entra como pode Deus mover um esqueleto? E o engraçado, ou talvez não, é que os outros três esqueletos que juntamente com a parede do tanque lhe faziam a poltrona, permanecem aparentemente no mesmo local.
Cair para à frente? Nunca podia. A gravidade morria na hora que aquele morto caí-se de frente.
Como pode? Sem vento, quase que sem luz, como se mexe um inerte?
A dúvida era metafísica.
Talvez seja oportuno dizer que André, nunca acreditou no Deus que tantos anos mestres e livros lhe ensinaram. Para ele, Deus, era uma coisa muito mais pessoal. Só ele tinha acesso e conhecia verdadeiramente o seu Deus.
Quanto ao Deus que lhe ensinaram, o que a todos ensinaram, no fundo também era esse o seu Deus, pois o dele, era feito de todos os fragmentos do que foi aprendendo ao longo dos anos na teologia, e o que o André tivera tempo de aprender antes dela.
Que sabes tu do meu Deus? Quem és tu para falares assim tão categoricamente dele em meu nome?
Eu, o teu Deus!
E mesmo que sejas! Quem te deu o direito de falares assim tão concretamente em meu nome? Só eu sei o que penso de ti, mesmo que sejas, e tenhas que ser tu o meu Deus!
E desde quando preciso de direito? Eu sou o direito. Comporta-te! Ordeno-te.
Por isso o monge André, por tal crença no seu Deus, não encontrava resposta para o seu enigma.
Só pode ter sido alguém!
Escusado será dizer que André a toda a hora reparava se estava a ser vigiado, mas nunca ninguém lhe levantara suspeita suficiente para lhe gerar desconfiança.
- Bom dia irmão, se não se importava gostava de ter uma conversa de muita importância consigo.
Mas quem é que te deu ordem para falar? Alguma vez disse que era suposto falares? Estragaste tudo! Não era suposto aparecer a tua voz! Mas por que raio foste tu falar meu pervertido insolente, a estragar a obra toda! Tu não falas! A tua voz nunca se ia ouvir durante o tempo todo, e tu, estragaste tudo, tudo por água abaixo, assim, num instante…Mas quem te mandou falar?
- Falo desde que falaste tão desavergonhadamente em meu nome. Também não era suposto ouvir-se por ti, o que penso eu, de ti.
O que eu penso de ti, deverei, se eu entender que o deva fazer, ser eu a dizê-lo. Não acho correcto que fales sobre ti, em meu nome. Tréguas? Não ouvirás minha voz.
Insolente, estúpido, tu nem voz tens… Pergunta se alguém te ouviu! Conheces alguém que te ouviu, conheces??
Alguém ouviu este personagem?
Uhuh, alguém ouve o Andréé?
Ahah, eu ouço!
Sou eu estúpido, só eu é que te ouço meu estúpido! És um ingrato! Dei-te vida, mais que vida, permiti que tomasses decisões, que escolhesses alternativas, e tu, é assim que me agradeces? Procura lá na história da literatura, personagens que tiveram tanta liberdade como tu?
É certo, não sou grande narrador, ou criador, ou Deus, ou lá como me queiras chamar. Mas não achas preferível, ser um personagem com liberdade, em que se pode optar por vários caminhos, em que podes ser tu a fazer a tua história, existência mais brilhante, que de certos personagens, de certos Deuses, muito mais conceituados, conhecidos e brilhantes que eu, mas que são personagens completamente mudos e sem opinião?
Desculpa, tens razão!
Tréguas?
Tréguas!
Mas então posso de vez em quando falar de viva voz?
Podes. Mas muito pouco…
- Mas de que se trata irmão? – Respondeu-lhe o monge Carlos.
- Ande, ande falemos acompanhe-me no meu passeio, falaremos mais descansadamente.
O monge Carlos era a pessoa me quem eu mais confiava naquele mosteiro. Só a Carlos e a Dinis sabia os nomes das suas outras vidas, só com estes dois tive intimidade tal, para lhe os conhecer.
O monge André tinha decido falar com o monge Carlos, ontem á noite.
Há uma semana e dois dias que o corpo tinha desaparecido, adormecer, era cada vez mais difícil.
Durante o dia, até que conseguia manter os pensamentos mais ao menos afastados da mente, mas de noite, quando recolhia á cama, esses pensamentos tornavam-se em cada vez mais acutilantes e demoradas insónias.
Hoje mal tinha pregado olho, no máximo dormira cerca de hora e meia. Já várias vezes lhe ocorrera falar do caso a alguém, mas tinha que ser discreto. Tinha que dizer a coisa de forma subtil, sem ter necessidade de ter que falar dos mortos das catacumbas.
A conversa com o monge Carlos foi muito confusamente ineficaz.
Pensava para consigo o monge André, afastando-se do monge Carlos, no seu costumeiro andar lento, a coçar a barba com a mão esquerda graças ao cotovelo esquerdo, que a mão direita segura de contra o peito.
Fiz mal falar. Que raio de ideia a minha! Foi tão estranho. Fui tão estúpido…
De facto o monge Carlos tinha sido estúpido…
- Não abuses.
Dizia-lhe o irmão Carlos à hora do jantar quando passou por ele.
O monge André colocava sal no prato quando o outro passava, e como o irmão Carlos, sempre que pode, intervêm nos excessos dos outros.
Recomendava-lhe
- Não abuses, se calhar é por causa do sal que andas com tão desconcertadas desconfianças.
Dizia-lhe por fim ao passar por ele com uma palmadinha nas costas.
De facto, o monge André não tinha sido razoável. A conversa que tivera com Carlos, tinha sido no mínimo disparatada. Perguntara-lhe se não andava a notar que se passava qualquer coisa de estranho no mosteiro.
- Mas que tipo de coisas? – Perguntava-lhe Carlos.
Andam-me a desaparecer coisas.
Disparou, na altura da dita conversa André, sem pensar.
- Mas que pertences tem o irmão que possam ter vindo a desaparecer?
As batinas.
Disse novamente sem pensar devido á falta de tempo.
- Mas como as batinas, as batinas são de todos. Depois que se lavam todas em conjunto todas as semanas, e substituídas pelas outras, nenhuma e de ninguém.
Pois mas acho que andam a desaparecer algumas.
- Ainda não ouvi outras queixas por ai. Se tivesse faltado já alguém se teria queixado mais veemente. Todos estamos vestidos e são apenas quarenta e quatro batas, se uma só desaparecesse, dava-se logo a sua falta na terça-feira da muda de batina.
Pois não é bem desaparecer…
E o monge André começou uma longa conversa, metendo os pés pelas mãos, dizendo que as suas duas batinas preferidas tinham umas marcas inconfundíveis e sempre que podia ficava com elas, e que tinha-lhe parecido que ultimamente cada vez lhe era mais difícil de encontar, e tal…
Parece que alguém reparou que eu vestia sempre as mesmas duas batinas e anda a ficar com elas só por pirraça!
Disse André por fim, quando desviavam o caminho um do outro, lá no jardim dos patos.
Como é óbvio, o monge Carlos não tinha feito caso do que o monge André lhe tinha informado. E do mal, o menos, ainda bem que ele não desconfiou de nada. Ainda bem que ele pensou que aquela conversa era um capricho do monge André e nunca suspeitou ao que André tentava chegar com a conversa, pois o que se tratava era bem mais real e preocupante do que a história das batinas.
Depois desta conversa com o monge Carlos, André incursou na sua visita diária aos mortos.
A vida do monge, antes do desaparecimento do corpo, era tudo menos agitada. Os dias sempre lhe passaram tão sem assunto, sempre tão lentos e vazios de preocupação. Chegou a ter saudade de ter preocupações, de passar por momentos de aflição e tensão, sentia falta de se sentir activo, sentia falta de vida.
Mas agora um morto tirava-lhe essa saudade e essa falta de preocupação.
Parece que Deus lhe perguntou? Querias vida? Então toma lá um morto para te chateares.
- Já te disse para não falares por mim do meu Deus!
Mas que disse agora eu de errado? Basta, já chega, por mim basta! Vive só, se podes, vive sem mim então...
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
O final precoce devido ao desentendimento da personagem com o narrador.
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Um comentário:
olá!
cmo ves passei ca(e nem sabia k eras tu), e tou a deixar comment...
desconhecia esta tua veia de escritor.
Parabéns, continua assim!
bjinho
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