sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Que doença é esta?

É já há algum tempo que me questiono, com relativa frequência, de qual será a razão que estará por detrás desta quase que automática antipatia nacional que todo o conterrâneo gera, se for caso deste, estar a ter algum reconhecimento internacional.
E nem que são poucos os tuguinhas reconhecidos lá fora. São o em todas as áreas, da ciência ás letras, da arte ao desporto, muitos são os portugueses que trabalham lá fora, ou que trabalhando a partir de cá, vêem lá fora reconhecido o seu trabalho. Não podendo falar muito nos que até são a maioria desses reconhecidos internacionais, que são os milhares de investigadores e outros tipo de profissionais que laboram nas mais prestigiadas multinacionais, ou em organismos não governamentais, e também governamentais. São milhares os portugueses que sendo perfeitos anónimos para a sociedade em geral, têm um enorme contributo na defesa da honra nacional. A esses anónimos, a todos eles, deixo aqui o meu humilde, obrigado!
Mas não são estes que nos causam mais antipatia, estes que são anónimos podemos nós bem com eles e nem chateiam eles ninguém. Os que nos chateiam mesmo, os que realmente nos deixam fulos são aqueles que nos aparecem nos jornais, nas televisões, nas revistas… Esses sim, esses, os que têm reconhecimento internacional e que ao mesmo tempo são aqueles a que chamamos de figuras públicas, são os que nos deixam os nervos em franja! É quase automático, veio o prémio internacional e vem logo a antipatia generalizada sobre o premiado. Aqui vão dois exemplos:

1º - José Saramago

Premiado com o Nobel da literatura corria o ano de 1998, é talvez o mais flagrante caso da patologia que investigo nesta posta.
Na verdade Saramago, nunca foi consensual no seio da sociedade portuguesa, e mesmo antes de receber o Nobel, eram já muitas as vozes que maldiziam o dito escritor muito por causa do seu polémico livro “ O Evangelho segundo Jesus Cristo”, o que é compreensível, pois se o assunto é religião, todo o cuidado é pouco. É até bastante curiosa esta reacção feroz que o crente impõe sobre todas as insinuações que abatem contra a sua igreja que sejam lançadas pelo exterior dela. Numa entrevista cedida pelo humorista Ricardo Araújo Pereira ao suplemento do “Público”, “O Inimigo Publico”, o consensual guionista, dizia que entre os muitos casos em que se vê envolvido pelas suas sátiras, entre processos em tribunal e ameaças, os casos em que os ofendidos mais se esmeravam quer em quantidade quer na qualidade, eram os casos em que a religião vinha envolvida. Fundamentalismos, cada religião tem os seus, nada a fazer…
Por aqui até é compreensível que Saramago não reunisse muitas amizades, um comunista a escrever sobre religião pode dar lugar a uma mistura perigosa e se for caso, como é o caso, do escritor até ser bom, então aí é explosão na certa. Assim Saramago era já reconhecido por uma boa parte da sociedade civil quando foi galardoado com o prémio Nobel da literatura, mas só depois dele, é que a sociedade em geral, ficou a saber que existia este tal de José Saramago. Já velho, já com 76 anos de idade é que finalmente o povo português o reconhecia como um dos melhores escritores de sempre, mas também só começara a publicar livros aos 44 anos de idade...
Foi com pompa e circunstância que recebemos a notícia. Houve coragem institucional, houve prémio, houve festejo e homenagens, e assim, vindo não sabem muitos de onde, apareceu um prémio Nobel português que nos enchia de orgulho.
Graças ao Nobel, Saramago cai em estado de graça na opinião pública nacional. Até aqueles que nunca tinham lido, nem nunca chegaram a ler, uma só página dos escritos do dito cujo escritor se ouviam bem dizeres e rasgados elogios. Mas foi sol de pouca dura, esse estado de graça atingido por Saramago. Por aqui, os estados de graça são efémeros, são raros os que conseguem permanecer em estado de graça por muito tempo neste país. E este não foi dos raros.
Numa reportagem passada no mês de Dezembro, na estação de televisão SIC sobre José Saramago, pode ver-se o desprezo dado pelas instituições governamentais portuguesas a esta prova viva da qualidade literária nacional, quando comparamos as nossas atenções com a que as entidades espanholas deram ao facto de se estar a realizar a maior exposição de sempre sobre a vida e obra deste genial escritos português. É no mínimo chocante. Como pode um país tão rico em insucesso dar tão pouca relevância a casos flagrantes de grande competência. Saramago é dos melhores escritores mundiais ainda vivo. Porra, é Português, não é motivo mais que suficiente para lhe termos todos alguma estima e reconhecimento? É que ao cruel e incompreensível desrespeito do Estado Português para com o já debilitado, José Saramago, agora neste caso, junta-se a indiferença, quando é apenas indiferença e não crítica destrutiva, vinda da maior parte dos conterrâneos deste mundialmente conhecido escritor.
Talvez seja pelo facto de Saramago ter ido viver para Espanha depois da polémica que se viu envolvido com o Estado Português devido ao livro “Evangelho Segundo Jesus Cristo”, ou talvez devido ás suas declarações pouco consensuais que volta e meia costumam aparecem na nossa comunicação social, acerca do país ao do mundo, que José Saramago, quanto a mim, é um mal amado da nação. Mas uma coisa é certa, pode-se não gostar muito do homem, mas que ele é um génio da literatura contemporânea disso não pode haver dúvidas e tenho pena que tão prestigiado português reúna tão pouca simpatia cá entre nós...

2º - Mariza

Premiada em 2003 com o prémio da BBC radio3, de Melhor artista Europeia na área de World Music, este prémio faz de Mariza, uma estrela do fado a nível mundial ao nível do que Amália, também o foi.
Aparecida nos ecrãs de televisão as primeiras vezes, pelo, também não muito bem amado, Herman José, foi só depois do prémio, que todos deram o braço a torcer ao humorista, verificando-se que Mariza, era internacionalmente reconhecida por cantar o tão nosso fado.
Poucos imaginavam que depois de Amália, o fado viria a ter forças para dar á luz uma estrela capaz de encher as salas de espectáculos mais prestigiadas do mundo! Mas Mariza, com o seu fado renovado, dá a volta á situação e de lá de fora, vêm agora elogios e salas cheias.
Mariza ao contrário do meu exemplo anterior, não se pode queixar tanto do tratamento pelas entidades governamentais do país. Embora Mariza nunca tenha usufruído de nenhum tipo de apoio do estado português na sua formação, pelo menos, julgo, ser lhe reconhecido por ele, a importância que esta música tem na difusão da cultura nacional pelo mundo. Talvez não seja suficiente, ou não seja muito relevante para a Mariza, o apoio que o Estado português oferece a esta fadista, mas fico feliz por ver do meu Estado o mínimo de orgulho pela existência desta embaixadora da cultura portuguesa.
Neste exemplo o facto que considero mais relevante, é o de uma boa parte da população não ir lá muito com a cara da fadista. Frequentemente se ouvem uns:

- Hum, acho-a arrogante pá!

Ou,

- É uma fingida pá, agora deu-lhe para estar sempre a chorar ao raio da mulher…Ela nem portuguesa de gema é, pá!

Felizmente que também é significativo o número de portugueses que se renderam a este fado, felizmente ela vende e enche salas também por cá pela sua terra, mas tenho pena que não seja unânime o reconhecimento que esta música merece. Ela é na actualidade uma das figuras mais importantes na difusão da cultura portuguesa, e é a muitos níveis que ela o faz. Cantando o nosso português pelos quatro cantos do mundo, a sua música é capaz de façanhas, que talvez muitos, não se apercebam. Numa reportagem que vi há um tempo também na estação de televisão SIC, lembro-me que havia um casal, que já não me recordo bem da sua nacionalidade, que decidiram aprender a língua portuguesa para melhor compreenderem este nosso fado. Não é notável? Não nos deveria deixar cheios de orgulho nacional ter uma portuguesa com tal capacidade?

Não quero com isto dizer que deverá haver pessoas acima das críticas, é óbvio que todos somos e devemos ser criticáveis, dos mais simples aos mais arrogantes, todos estamos sujeitos a reparos. Mas há pessoas que mesmo que tendo por onde ser criticadas, julgo, que se deverá ter sempre em conta e em reconhecimento a sua genialidade. Certo, que muitos foram os génios que ficaram na história pelo facto de para além de serem génios, serem também, verdadeiros facínoras e obstinados pelas suas ideias e vaidades. Mas não consideram normal que um génio seja uma pessoa perspicaz o suficiente para perceber que tem algo que poucos têm? Temos que nos tentar pôr no lugar de um génio, de tentar perceber de como se consegue viver com a permanente ideia de que se é melhor que a maioria dos outros e de quanta incompreensão isso lhe pode trazer. Muitas vezes recorremos á palavra arrogante, para apelidar a maioria dos nossos heróis nacionais, nas bocas do povo são todos uma cambada de arrogantes, Saramago, Mariza, Mourinho, Joaquim de Almeida, Herman e por ai adiante… Mas digam-me uma coisa, não será mesmo mais arrogante, a nossa incompreensão?

Não sei muito bem como é a opinião pública dos restantes países da Europa e do mundo, em relação aos seus “heróis” nacionais, mas cheira-me que deve ser bem diferente deste nosso típico tratamento; desprezo do Estado e mal dizeres do Povo.

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