Nascia era noite sem estrela nem lua.
Na rua, a ausente artificial luz que só dá brilho lá na cidade, restringia a iluminação rural à luz de estrela e lua, que em já referida falta, permitia a escuridão a tudo engolir, transformando toda a coisa uma só, estendendo-se essa a toda à parte, inclusive a seu pai, que perdido, também em vinho, procurava por cómicas reviravoltas, o em vão, regresso a casa.
Sua mãe, estava como era costume da hora acordada. Deitada na sua cama, na mesma cama de todas as outras noites, onde geralmente se deitava só em enervantes esperas pelo maldito marido.
Porém, nesta noite, a mulher continuava como costume da hora, bem acordada. Mas desta, não era a espera que lhe mantinha a desperta. Prendia-se com outro facto, o feto, da insónia da mulher:
Hoje, era noite de João.
Então a mulher só e iluminada apenas por uma pálida luz de vela que distorcia em sombras os sucedidos, o expulsou, a ele João, de seus interiores. Era com facilidades que o fazia, mesmo dadas as circunstancias, também habituada que estava à arte de parir, de mais ninguém necessitava a mulher. Só dele e dela.
Aliás, nem ela quase que estava presente, tal o seu silêncio, tal o seu estado de espírito...Estava mesmo ela mais presente, em noites de espera, em que em absoluto silêncio, travava estridentes e brutais brigas com o seu ausente marido, do que agora.
Agora, era só ausência a mulher, como já à muito o era. À muito, se dava só com as ausências, vinda a si e ao mundo, somente em invisível voz. O resto, o seu quotidiano, fazia-o ela maquinalmente sem precisar de si…
Foi assim, a noite em que João nasceu. Uma noite sem estrela nem lua, uma noite sem pai nem mãe…
Seu pai regressava a casa era já muito manhã. Não encontrado o labiríntico caminho de retorno a casa, acabava por adormecer dentro de um barracão sem portas, onde estava preso um burro e armazenados uns fardos de palha.
Acordava, batia-lhe bem no rosto uns matinais raios de sol. Agora, com mais luz e menos vinho no olhar, o homem facilmente seguia para casa.
Entrado no quarto, o homem estancou de espanto.
Ficava assim inerte, eternos breves instantes, calado e imóvel, só contemplando a imagem da mulher com recém-desconhecido a seu lado.
Em seu olhar abatiam-se lentas e dolorosas vergonhas, vindas não sabe o homem nem de onde nem porquê.
- É menino! - Dizia a voz débil da mulher, apercebendo-se da presença do homem.
O homem sorria, obviamente de feliz, afinal, não são todos os dias, em que se é responsável por mandar mais um homem ao mundo! Seja lá qual for a vida que esse homem vá ter lá nesse mundo. Mas ser responsável por mais duas mãos que cá chegam, é sempre um motivo de orgulho. Duas mãos a mais, sempre são mais duas mãos que puderam erguer inimagináveis ou mover coisas, coisas que ainda nem existam ou coisas que ainda se julgam imóveis. Eram estes os sorridentes pensamentos que ocorriam ao homem, enquanto se aproximava de seu recente filho. E foi-se aproximando tanto, que a dada altura até quase que podia tocar-lhe, e sentiu-se mesmo impelido de o fazer, mas conteve-se. O medo, de sua tão incontrolável brutalidade contra tamanha fragilidade, demoveu-lhe o toque.
Por fim, esgotado, acabou por deitar-se no lado vago da cama. O cansaço, a ressaca e a visão de agora, atiravam-no violentamente contra a cama, adormecendo mal encostava a cabeça na almofada.
“Reacordava” abanava-o a mulher.
- Que foi, que foi? - perguntou assustado seu pai regressado do mundo do sono.
- Levanta-te homem, já não são horas?
- E são horas de quê, posso saber? – voltou-se o homem irritado para a mulher
- De te levantares, ou vais passar o dia todo na cama? Já não vais trabalhar hoje, pois não homem? - voltava a perguntar a mulher.
Perguntar era o que ela mais fazia, era já raro utilizar a fala se não fosse para perguntar. Sempre sem afirmação, sem opinião, só pergunta....
- Claro que não, tenho mais é que ir festejar... – dizia peremptório o homem – Não é todos os dias que se tem um filho homem e uma desculpa tão boa como esta para se faltar ao trabalho sem se ter chatices mulher! Eu tenho mais é que festejar!
- Mas, ó homem, eu preciso de ajuda e se tu não tens nada para fazer, podias ser tu a ajudar-me, não? - Pedia suplicante a mulher.
- Já te disse que tenho que fazer mulher! – gritou-lhe então, impaciente o homem, provocando um sonoro choro à criança.
- Vês sua cadela, vês o que me fazes fazer... – gritava ainda seu pai, irritado por ter assustado a pobre criança.
A mulher chegava-se para junto do bebé e embalava-o, enquanto este chorava. Quando este se calou, a mulher recomeçou:
- Olha homem, eu até já tentei mas não o consigo. Estranho muito, visto os actos de “parição” por mim já cumpridos, mas eu não consigo! Ainda à pouco, na hora de ir preparar o almoço, metera na cabeça que era capaz de me levantar para o ir fazer, e até que me consegui levantar e andar aí até à porta, mas olha, nem consegui agarrar-me à maçaneta da porta, caí redonda no chão...
- Desembucha mulher. Que queres tu de mim?
- Sabes homem, o miúdo tem que se conhecer – dizia em solene voz a mulher, e com a mesma voz continuou:
– Meu pai sempre me disse: Miúdo que não se conhece quando nasce, vai adquirindo tempo fantasma, e fica ele tão mais fantasma quanto mais tempo passe desde que se nasce, até que se conhece – parando para ganhar ar e coragem num suspiro finalizou:
- E nós homem, nós que temos tão pouca sorte, não nos convêm nada ter aqui um meio fantasma em casa. Pois não homem!? Por isso pensei, já que tu não vais trabalhar, podias ir tu lá à cidade registar o miúdo...
- Achas mulher? Não tenho tempo para as tuas, nem para as tontices, do teu velho.
- Então e quem lá vai? Gritou a mulher desesperada, provocando o grito, um novo choro à criança.
Inexplicavelmente, o choro da criança espetava-se agora, contra o peito do homem como se espetam facas, deixando-o desconfortavelmente frágil. Logo ele, que se mostrava sempre tão insensível, agora esmagado por um simples choro de criança...
O homem ainda se precipitara em direcção da mulher no intuito de a repreender no uso da força, mas controlando-se, gritou, já abandonando o quarto:
- Eu vou lá pá. Vou lá só para não ter que te partir os dentes, sua cadela.
Já dentro do dito cujo registo civil, seu pai sentava-se numa das cadeiras da fila de espera, adormecendo logo após se ter sentado. Teve que ser o homem que aguardava atrás de si, a alertá-lo para o seu atendimento.
Seu pobre pai, coitado, depois de tanta caminhada, de tantos copos e da adormecida espera, ficava sem palavras para dizer. Especado, como que adormecido de olhos abertos, ficava assim moribundo, diante do funcionário.
Conseguindo finalmente vencer a apatia dominadora, graças á insistência do funcionário e de explicado e compreendido enfim o que afinal se desejava dali, o funcionário perguntou-lhe pois, qual era então o nome que se havia de se dar à criança.
A questão caía que nem bomba sobre o homem.
Seu pai ficava em silêncio, enquanto olhava fixo o funcionário com os olhos de fora, enquanto que com os de dentro, perscrutava dubiamente os acontecidos desse dia na esperança de lá encontrar o nome revelado, mas em vão, permanecia em silêncio.
- Então homem, ficou mudo? Qual é que é o nome que quer dar à criança? Insistiu o funcionário.
Seu pai continuava igual, quer no silêncio quer no olhar, no interior e no exterior.
- Ande lá homem de deus, olhe que não tenho o dia todo para si.
Seu pai irritava-se, já estava demasiadamente confuso e embaraçado para tanta insistência.
- João. Disparou então seu pai, calando-se de imediato.
- João quê? Voltava o funcionário.
- João, respondeu novamente o homem irritado, bêbado e sem ideias.
- Sim, sim já percebi que é João, mas e mais? João quê? - Falava com voz de troça o funcionário, julgando falar com um qualquer aldeão lento de ideias e não para um crónico bêbedo frequentemente violento.
Então seu pai, rebentou em anseias e de um salto subia para cima do balcão de atendimento e agarrava o outro pelos colarinhos gritando-lhe bem para perto do ouvido:
- João, já não lhe disse? Quer mais nomes é? Se é, ponha-os você. Por mim está à vontade, é até um favor que me faz…
- Pronto, pronto, tenho calma – dizia apavorado o funcionário, – Se assim o quer, assim o fica…
E assim ficou. Nome: João. Apenas e só João, simples, tal qual sua condição.
João, desde muito pequeno ficara entregue à sua sorte. Coube-lhe a ele próprio a missão de se educar. E ele assim o fez, ensinando e aprendendo sem sair de si. E nem que se dava mal nessa tarefa. Era com velocidades que tudo aprendia. Andar, correr, falar, ouvir, dar, aceitar… Eram tudo coisas, que ele facilmente aprendia. Mas coisa que ele fazia com muita mestria era aceitar, fosse o que fosse, tudo lhe merecia muita aceitação.
João crescia e enquanto todos os restantes miúdos da sua idade andavam pelas ruas correndo de um lado para o outro em todo o tipo de brincadeiras, ele estranhamente tinha preferência em passar os dias em casa.
Não raramente, sentava-se na soleira da porta com um dos poucos livros lá de casa sobre os joelhos e desfolhava-o sem cessar, como que hipnotizado, observando as gravuras e com elas imaginando a história contada, sempre diferente a cada nova leitura.
Uma dessas tardes em que o rapaz estava no seu hábito de leitura, acontecera-lhe algo de memorável. O vizinho, passando na rua, parava olhando o rapaz. Já não era a primeira vez que via o miúdo em tais afazeres, mas desta vez, por uma qualquer razão intencional, aproximava-se do rapaz e perguntava:
- Queres que eu leia um pouco do teu livro?
- Ler é o quê!? Perguntou admirado João.
- Dizer-te o que fala o livro.
- Ah, mas os livros não falam! Replicou ainda mais admirado João.
- Então tu não sabes que os livros falam? Ora chega cá o teu livro que eu vou ter dizer o que te diz.
E pegando no livro começou o homem:
- Era uma vez um porquinho chamado Celso que vivia numa enorme quinta.
O Celso era um porquinho muito brincalhão, e passava os dias a brincar. Mas o porquinho não tinha irmãos, e por isso, sempre que brincava, fazia-o sozinho, e isso aborrecia-o muito.
Um dia, estava o Celso nas suas brincadeiras, quando passaram por ele três patinhos muito amarelinhos.
- Que estás a fazer tão sozinho porquinho?
- Mas os animais não brincam, quanto mais falarem… – Interrompeu abrupto a leitura, João.
- É no faz de conta, nos livros tudo pode. - Respondia-lhe o homem.
- Oh! Eu não gosto dessas coisas que não podem – dizia aborrecido o rapaz -Bem que me parecia que este porco e estes patos não eram como os outros que há lá na quinta onde trabalha o meu irmão.
- Mas tu tens que acreditar! - Admirou-se o homem.
- E porquê é que tenho que acreditar?
- Porque não é só nos livros que há dessas coisas que não podem e que se faz de conta. Também a vida é muitas vezes um faz de conta... E tu, sendo criança, mais tens que acreditar em coisas que não podem. Tens aliás que fabricar muitas dessas coisas na tua cabeça, para quando fores mais velho ainda teres dessas coisas que não podem, em que ainda acredites e gostes. Toda a vida tem que ser assim, acreditar em coisas que não existem, e com elas, fazer uma casa mágica em nós, onde possamos ir sempre que nos apetecer. Uma casa com fadas e duendes, onde para que as coisas existam, basta sonhá-las… É aí nessa casa, que moram os sonhos e os sentimentos…
Ficavam os dois calados, olhando-se incrédulos de tanta admiração. O homem, admirava-se com o que sem pensar acabava de dizer, João admirava-se com o que acabava de ouvir.
- Tu sonhas? E sentir, sentes? - Continuou o vizinho.
- Sim. - Respondeu ainda incrédulo João.
- Então acreditas nessas coisas que não podem. Por isso, trata é de acreditar com muita força, porque quanto mais cresceres, mais difícil se tornará acreditar nessas coisas que não podem, e de nos convencermos a nós, e aos que amamos, que essa nossa casa mágica, também e sempre existe.
E dito isto, ia-se embora o homem, deixando o miúdo confusamente pensativo.
A partir desse dia, João, sempre que vi-a o vizinho passar na rua, ficava cheio de vontade que ele se sentasse a seu lado e lhe lê-se mais um pouco de livro. Mas o homem passava, mas não se voltara a oferecer para tal e nessas alturas em que o homem passava, o menino ficava sem coragem para lhe pedir tal coisa, até ao dia, em que enchendo-se dela, e, vendo o vizinho passar na rua, gritou-lhe:
- Olhe. Você não quer ler para mim um pouquinho de livro?
O homem surpreso, nem que tinha vontade, mas olhando o olhar suplicante e esperançoso do miúdo, lá cedera, no intuito de não se demorar muito. Com o virar das páginas, o homem foi-se entretendo com livro, e deixava de pensar em tempo, acabando por ler o inteiro livro. Acabava a leitura, já estava a escurecer, e já tinha passado por eles o pai de João tão bêbado que nem se tinha percebido o que lhes tinha dito…
- Como faz você para ouvir o livro? - Perguntou João no final da leitura.
- É fácil, é só olhar as letrinhas e juntá-las… Um dia também vais ser capaz, quando fores à escola.
- Escola?! Que é isso?
- É o sítio onde os meninos vão aprender com os adultos, a escrever, a ler, a contar e a saber muitas coisas.
- Então eu quero ir lá para essa escola… – Dizia João.
- Tens que crescer mais um pouco para que te deixem entrar.
João ficava pensativo, olhando o homem que se levantava para se ir embora.
- Não pode ser então você a ensinar-me? Você é adulto…
- Eu?! – Soltando o homem uma solta gargalhada – Eu nem sei que chegue para mim! Respondia já da rua o homem.
O conhecimento da existência de um sítio como a escola, fora para João, uma encantadora descoberta.
Todos os dias a partir de então, João, deleitava-se passando horas pensando na hora de também ele poder ir para lá, para a escola. E tanta hora de meditação, rendera-lhe uma engenhosa e brilhante ideia.
Há uns dias vira sua mãe a arrancar uma folha lá do calendário, que estava pendurado na porta da cozinha. Intrigado com a acção da mãe, interrogou-a sobre o que ela fazia. Ela acabou então explicando a lógica do tempo: dias, semanas, meses, anos…
Na altura, aquilo tudo pareceu-lhe muito estranho e desnecessário.
- Para que raio interessa saber, que dia é o dia? Dia é dia, que importa o dia que o dia é? - Pensava João para consigo na altura.
Mas agora, vi-a no calendário alguma utilidade. A ideia era simples; se ele soubesse que dia era aquele em que ele iria para lá para a escola, ele podia ir lá no calendário e contar com os dedos quantos dias faltavam, e depois era só baixar um dedo por dia, até ao afamado dia.
Aplicando por fim a ideia, sua mãe, explicou-lhe que faltam ainda muitos dias para chegar esse dia, que ele não tinha dedos suficientes para tanto tempo.
- E se eu inventar dedos? - Perguntava o miúdo.
- E como fazes tu isso? - Ria-se a mãe.
- Eu cá arranjo os meus modos, só preciso de saber qual é que é o dia.
A resposta veio um tempo depois. Sua mãe não sabia qual era o exacto dia do começo da escola, e demorou algum tempo a descobri-lo e a revelá-lo ao filho. João não sabia ao certo quanto tempo passava, desde que fizera a pergunta e que obteve a resposta da mãe, mas foram seguramente uns dedos de meses.
João, já munido da resposta de papel e caneta, subia a um banco, e ficava uma eternidade em frente do calendário.
- Que fazes ai? - Perguntava admirada a mãe.
- Invento dedos. - Respondia sereno o rapaz.
Depois João, de folha em riste, dirigia-se à floresta e apanhava quantos paus tinha em riscos no papel. Juntava-os a todos, e levava-os para debaixo de sua cama. A mãe apercebendo-se, gritou-lhe furiosa:
- Que ideia tonta é a tua? Tira já daqui esse lixo.
- Não posso mãe, isto não é lixo, isto, são os meus dedos…
A partir de então, todas as noites, antes de se ir deitar, João cumpria o ritual; chegava-se à janela e lançava fora um pauzinho.
Aos poucos o enorme monte de paus foi ficando mais e mais pequeno, e à medida que o monte ficava mais pequeno, João percebia, que dia no calendário, servia apenas para dar vida a dia que existe sem ter existido. João concluía assim, que calendário, servia apenas para ensinar o Homem a esperar.
Chegado então o tão esperado dia, João não cabia em si de tanta excitação. Era tanta, que transbordava o seu corpo físico, espalhando-se por onde quer que passasse, que tocasse, que olhasse.
Já na escola, com todos os alunos dentro da sala, a professora começou:
- Bom dia meninos – dizia, arrastando exageradamente as palavras – Eu sou a vossa professora, chamo-me Lurdes Pereira – e fazendo uma pausa continuou:
- Agora que já sabem o meu nome, é a minha vez de vos conhecer a vocês. Mas nada de confusão, não quero bagunça na minha aula. Vá, começa aqui neste menino e vai até ao último da fila, depois passa para a fila de trás. Nada de confusões…
Então os alunos, cada um na sua vez, lá começaram a dizer o primeiro e último nome. A pergunta era simples, não exigia muito que pensar, e facilmente surgiam as respostas. No entanto para João a resposta não era assim tão evidente.
Ele só tinha um nome. Será que se só há um, há na mesma um primeiro e um ultimo? Ou nem um nem outro se aplicam em tal caso de unicidade?
A dúvida aumentava de intensidade a cada resposta dada.
- João, João – respondeu João o mais rápido que conseguia, chegada a sua vez.
- Como? - perguntou a professora – Podias falar mais devagar para todos te entendermos?
- João, João. Repetiu mais lentamente o rapaz.
A resposta de João, produzia tamanha explosão de riso na sala, que nem a professora resistia a esboçar um sorriso.
- Não é para repetir o mesmo nome, menino. É o primeiro e o ultimo que tens que dizer. Vá lá com calma.
João ficava sem resposta. Como podia ele fazer uma coisa assim? Dizer o primeiro e ultimo nome sem repetir o único?
- João. Respondeu por fim.
Nova explosão de riso geral.
João já não cabia em si de nervoso. Desde que a pergunta fora lançada na sala que os seus nervos se multiplicavam a cada segundo que passava, a cada risada, a cada nova pergunta, a cada olhar. Era já tal a sua quantidade, que controlavam todas as suas capacidades motoras e “amotoras”. Ficava, imensurável tempo, tremendo sem conseguir parar, olhando para todos os lados sem nada conseguir ver. Ordenava ao corpo para se mover, mas ele não obedecia. Só depois de muita insistência conseguiu levantar-se e correr, a toda a velocidade, para a rua. Não aguentava nem mais um segundo que fosse, dentro daquela sala.
Nunca mais regressaria à escola. À semelhança de seu nome, tinha tido apenas uma primeira e uma última aula que coincidiam numa única.
Durante muito tempo, João, fingia que continuava na escola para nada ter que dizer à mãe sobre o que se lá tinha passado. Decerto que ela não iria gostar.
Assim, todas as manhãs, saía o miúdo de casa de sacola ás costas e voltava a casa, era hora do almoço, que era quando os outros miúdos regressavam das aulas.
Na sua sacola levava livros, iam todos os que encontrava por casa.
João seguia assim, pelo oposto caminho da oficial escola, cujo termo desta, a não oficial escola, era a floresta.
Então aí, sentava-se em grandes penedos e passava as manhãs ouvindo livros por seu ouvido.
Uma dessas manhãs, em que João partia para a floresta de sacola ás costas, apanhava um valente susto. Seu vizinho, alcançando-o pelas costas perguntava:
- Que fazes por aqui miúdo? Não devias estar na escola?
João estremeceu, reconhecendo a voz.
- Oh, hoje não fui – respondeu acanhado João.
- Então tanta vontade para entrar na escola e agora faltas?
João respondia apenas com um encolher de ombros.
- Então já não queres aprender a ouvir livro?
- Era o que mais eu queria – respondia melancólico o rapaz.
- E é a faltar à escola que queres aprender?
- Oh, eu não posso ir lá à escola...
- E porque não podes? - Estranhou o homem.
- Tem que se ter mais que um nome para se entrar. Um só parece que não chega.
- Que historia é essa? - Perguntava entre risadas o vizinho.
- É como lhe digo. Para se ser aceite lá na escola, tem que se ter um primeiro e um último nome, e não pode ser o mesmo. Só dá para gente que tem um nome seu e um outro de família. E sabe, o meu pai, ele inventou o meu e esqueceu a família. Por isso, não posso andar lá na escola…
- Mas quem te disse tal baboseira?
- Foi a minha professora – respondeu João com ar de importante.
O homem ria-se, julgando que o rapaz inventava tal descarada mentira para desculpar a gazeta.
- E para onde vais então de sacola ás costas?
- Vou ouvir livro.
- Então e tu já o sabes ouvi-lo?
- Não como os outros, mas ouço pelo meu ouvido… – respondeu desiludido o rapaz.
- Vai tentando então ouvir pelo teu ouvido, sem ir escola que hás-de aprender… – ironizava o homem.
- Você não me pode mesmo ensinar a ouvir livro senhor? - Voltava o rapaz ao seu antigo pedido.
O homem rebentava em gargalhadas:
- E deixava de trabalhar para te ensinar não era? Já não basta estas semanas que tenho que parar a carpintaria por causa… – e parando repentinamente de falar assaltado por uma súbita ideia, continuou em quase eufórica voz:
- Já sei, já sei!
O homem estranhava-se, não entendia porque fazia tanta coisa por este rapaz. Dantes, no tempo em que sua mulher ainda era viva, não se perdia com assuntos da natureza de João. Se fosse nesse tempo, o homem jamais prestaria atenção ao miúdo, decerto que passaria na rua e nem repararia que havia um rapaz sentado na soleira da porta desfolhando livro. Mas agora, não só reparava em João, como se disponha e lhe sabia bem ajudar o pequeno.
João aos poucos, transformou-se para o solitário homem, numa pálida luz, que brilhava fraca na sua solidão, João era agora a única estrela do homem. Solitária, longínqua e de fraca luz, mas a única a ficar a descoberto das nuvens negras que cobriam todo o firmamento do homem. João era um quase filho nunca tido…
-Tu vais comigo para os campos – falava convicto o homem.
- Para os campos?! E fazer o quê para os campos? - Estranhou João.
- É assim. Sabes, todas as semanas, tem que ir um homem lá da aldeia lá para os campos pastar as ovelhas da aldeia. E sabes, eu não gosto nada desse trabalho! Sempre que é a minha semana, é uma tortura para mim. Passasse muitas horas sozinho nos campos, rodeado de animal, sem ninguém para conversar, sem madeira para trabalhar… Fica-se lá tão sozinho, que eu fico com uma solidão dentro de uma outra, coisa que não dá para aguentar…
Assim, tu podias vir comigo quando for a minha semana de ir pastar as ovelhas. Eu ensinava-te e tu ajudavas-me a esquecer tempo, assim ficamos os dois a ganhar. Que achas?
E foi assim, sempre que o carpinteiro virava pastor, virava também professor e João, aluno.
Uma dessas manhã em que voltava João, de mais um matinal aula campal, quando ainda na rua, olhou para a porta de sua casa e viu seu pai sentado no mesmo sítio onde outrora João passava horas em frente de livros, mas na mão de seu pai, em vez de livro, enrolava-se um comprido cinto.
João arrepiava-se.
- Anda cá meu cão vadio, – gritou seu pai ao esbarrar nele o olhar, – hás-de me dizer porque não vais à escola, seu vagabundo…
João aproximava-se de passo pesado e cabisbaixo
- Anda cá que eu já te digo como é que é – continuava berrando seu pai.
Assim que João alcançava o raio de acção do homem, logo começou a chover uma chuva de açoites e cinturadas em seu corpo, deixando-lhe a alma completamente alagada. E a chuva não tinha fim, tiveram que vir os irmãos mais velhos agarrar o pai, para que tal chuva cessasse.
- E quero saber o que andas a fazer nos campos com vizinho. Eu bem que te vi aí uma vez à conversa com ele. Que andas tu a fazer com ele em vez de ires para a escola, meu desgraçado? - Continuava seu pai aos berros, enquanto tentava desembaraçar-se de tanto braço.
Sua mãe só agora aparecia e como se nada fosse, pegava no imóvel corpo do pequeno e deitava-o em sua cama, sem nunca pronunciar palavra.
As filhas também se juntaram à mãe e todas se abeiraram do corpo, velando-o e prestando-lhe cuidados. João dormia inconsciente.
De manhã, quando sua mãe fora sondar o estado do rapaz, rebentou com a surpreendente notícia:
- João está mudo, – gritava repetitiva a mulher caminhando velozmente de um lado para o outro, – João está mudo…
Aos poucos, todos lá de casa se acercaram do rapaz, contemplando e comprovando a súbita mudez do rapaz. Todos se espantavam. A princípio, poucos acreditavam na possibilidade de mudez crónica. Uns julgavam tratar-se de mudez passageira, que lhe doíam as falas da porrada do dia anterior, outros julgavam que era manha do menino para atrair atenções...
A mãe no entanto tinha uma certeza, era crónica, e o responsável era só um, o pai.
Este, não se conformava. As culpas que a mulher em silêncio lhe sentenciava, mais as que ele próprio reconhecia ter atormentavam-no o tempo todo. Passava horas tendo monólogos com o miúdo, puxando-lhe pela voz, na esperança de ouvir palavrinha que fosse. Mas nada, o rapaz estava irremediavelmente mudo. E o homem sofria...
Não era homem para se dar a arrependimentos. O que está feito, feito está. Pensava assim o homem, em alturas de pensamento arrependido antigo. Mas neste, a culpa perseguia-o.
O homem passava todo o seu tempo, matutando na hipótese de devolver a voz ao rapaz. E numa noite, regressando o homem da tasca, entrava de rompante no quarto de João, e chegando-se a ele sacudiu vigorosamente.
João, acordando sobressaltado e dando de caras com o pai, recuou na cama para trás de um salto.
- Tive um ideia, e que ideia, filho! - Falava seu pai notoriamente bêbedo e entusiasmado, ficando a olhar o miúdo esperando por resposta.
- Fui eu quem te pôs mudo, não fui?
Relembrando-se o homem da impossível resposta continuou – Eu não queria, juro que não, mas que podia eu fazer? Vieram-me com conversas lá na tasca que tu ias com o vizinho para os campos, sabe Deus fazer o quê! Que queria que eu fizesse?
- Ele nem vai à escola para ir lá com o vizinho – diziam a rir-se, aqueles filhos da puta.
O quarto ficava suspenso, em tempo e em espaço, e, seu pai ficava de novo olhando João esperando a inesperada resposta do mudo de fresco, e não obtendo, lá desembuchou:
- Eu pensei assim, se calhar o miúdo gosta mesmo é do campo e das ovelhas e é por isso que, a raça do rapaz, ia com o vizinho lá para os campos... Não era por isso que tu ias? - Ficando de novo o homem esperando inexistente resposta.
- Então é assim, sabes que a aldeia não tem assim um só pastor. Tem uns muitos... Então, como tu gostas assim tanto do campo e dos animais, podias ser tu a ser o único pastor da aldeia. Que achas? Até pode ser que encontres as falas lá para esses lados dos campos... Era tão bom que sim, era um peso que me tiravas de cima das costas, tão grande que nem imaginas...
A ideia agradava tanto a João, que quase respondia sim de viva voz, mas conteve-se num bem perceptível aceno afirmativo de cabeça.
No dia seguinte, depois de uma breve reunião geral, ficava oficial, João era o novo pastor da aldeia.
Todas as manhãs, incluindo a desse dia, lá ia o rapaz para os campos, acompanhado só de ovelhas, e regressava ao fim da tarde, seguido pela mesma companhia. Dia após dia, o rapaz traçava a sua solitária rotina partindo de manhã, regressando quase noite. Assim, o seu contacto com os habitantes da aldeia fora-se reduzindo drasticamente, raramente se cruzava com gente, e, das poucas vezes que isso acontecia, todos se espantavam por o miúdo levar a sacola às costas para os campos.
- Que levas tu aí rapaz? - Perguntavam curiosos, aos quais, João, na condição de mudo, nada respondia.
Uma manhã, na única em que João se deixara adormecer, passava a horas inéditas em frente da igreja, apanhando assim pela primeira vez a velha que muito voluntariamente cuidava da aparência e de outros afazeres da igreja, barrando-lhe esta, seu caminho.
- Afinal, que levas tu aí dentro meu malandro? - E dito isto, precipitava-se a velha sobre a sacola do miúdo e à força e à pressa, o ia abrindo…
O rapaz ficava sem reacção sem saber o que fazer, e nem a impediu.
- São livros! - Exclamava surpreendida – Mas para que queres tu livros meu danado? Tu nem à escola foste! Hás-de ser tão desajeitado de letras quanto eu, que nem o meu nome sei ler…
João seguia seu caminho impávido e sereno. A velha ainda repetia para consigo em voz alta, rindo-se:
- Livros, vejam-me só este demónio.
Dias, juntaram-se a outros dias e tantos dias juntos, formaram anos, que juntos a outros anos, transformavam o pequeno rapaz, em grande rapaz, em pequeno homem, e por ai em diante, chegando ele finalmente a velho. E foi de lá, da sua velhice, que permaneceu longevidades tão impressionantes que ninguém se atrevia a dar idade a tal homem. Nem mesmo ele próprio era capaz de o fazer… Sua longa velhice fez de João o mais antigo homem da aldeia, mas a sua presença na memória aldeã apagava-se lentamente. Uns morriam, e levavam com eles a sua lembrança, os que nasciam ainda não presenciavam a sua existência, tornando-se a sua existência bastante discreta e subtil, para todos os restantes.
Era de tal forma desligado do resto da aldeia, que nem os bons dias ou as boas noites, em casos raros de se cruzar com algum habitante, lhe davam. Já o julgavam surdo, mudo, talvez até mesmo cego! Passavam por ele, e nem uma, nem duas, como se faz quando se passa por animal.
O velho só já existia em si, em mais nenhum outro lado o fazia…
***
Acordei esquisito, nada me parecia igual ao dia anterior, embora aparentemente, tudo assim permanecia.
Nesse dia e sem motivo algum, em vez de ir para a escola como sempre fiz até aqui, decidi não ir, tomando o caminho contrário, um caminho sem destino conhecido, e aí vagueie, sempre seguindo tal caminho desconhecido sem fim. Ao fim de um pouco, encontrava-me já nos montes rodeado por verde erva. Ao fundo, bem pequeninas, viam-se ovelhas pastando. Decidi então, ir mais de perto ver as ovelhas.
Dos campos, vim directo para casa, com a mais das surpreendentes noticias:
- Mãe, mãe o mudo fala!
- Mudo, qual mudo? Estranhava minha mãe.
- O mudo, o que é pastor, Ele fala!
- Ah, o pastor mudo!
- Pois é esse, ele fala mãe, ela não é mudo.
- Que dizes tu rapaz?! O homem não fala desde o tempo do início do mundo, a voz dele está morta, rapaz. Nem digas essas coisas que é brincar com o demónio.
- Não mãe, ele fala, ele esteve a falar comigo ainda agora. Ele explicou-me tudo…
- Que história é essa de estar a conversar com o pastor? Tu não estás bom da cabeça.
- Falou sim, não te acreditas? Ele disse-me assim:
- Estás a ver o céu, – e apontou bem para o céu com o dedo – Hoje o atingirei.
Cala-te rapaz! Não digas asneiras. O homem não fala. Nunca lhe nasceu voz nenhuma rapaz! Por isso cala-te com essa história tresloucada.
- Pronto, se não te acreditas, nem te conto que foi que ele me disse…
Minha mãe ficava de olhar curioso pregado em mim. Eu nada lhe dizia.
- Tão vá, conta lá que te disse ele. Cedeu então minha mãe.
E eu, feliz da vida, comecei a integra transcrição da conversa com o velho:
- Ele disse assim:
- Hoje mesmo partirei rumo ao céu, finalmente está pronta a ponte que construí a vida toda na sua direcção, é hoje que lhe vou fazer inauguração.
– Uma ponte para o céu? – Desacreditava eu o velho, – nunca vi nenhuma. Onde que está esse ponte que você fez. Desafiava-o eu. – E ele respondia:
- Está aqui mesmo em frente dos seus olhos.
- Não vejo nada, você está é a gozar comigo.
- Descansa que a vais ver, com os devidos olhos a verás.
Parei de contar a história, olhava minha mãe para ver como reagia ela ás minhas palavras. Ela era já toda ouvido para a minha história, e pedia:
- Anda continua. Que mais te disse ele?
- Ele também me disse que não era mudo. Ele disse assim:
- Todos na aldeia me acham mudo, mas eu não o sou, ou melhor sou, mas é voluntário, é de presa vontade que o sou, – e continuava, – Coitado, meu pobre pai julgou sempre ter sido ele o responsável único de minha mudez. Como estava ele enganado… E como sofreu ele de engano, o coitado. Mas sabes, não houve uma só razão, nem um só responsável, para a minha mudez, foram mesmo muitas as razões e culpados de tal crime não cometido.
Primeiro culpado foi meu vizinho, esse que foi a minha única estrelinha, na minha escura infância, foi também o primeiro culpado de minha mudez. Um dia, ele ensinou-me que na vida se tinha que ter coisas do faz de conta, ter sempre connosco coisas que não podem e que tínhamos que as fazer na nossa cabeça. Desde aí, que ficava pensando que coisa que não pode, queria eu ser. Depois vem o segundo culpado, meu pai, que me chamava cão vadio antes de me rebentar a cara ao pontapé. E fora aí que eu, o terceiro culpado, o maior dos culpados, entrei. De noite decidi que a coisa que não pode, que ia ser, era ser cão vadio. Queria ser assim, sem pais, sem nome, sem idade, sem história, e sem fala que humano compreendesse. E então, a princípio era por fingir ser cão vadio que não falava, depois foi por prioridades que o fiz. Não que eu não ache que na vida não seja importante comunicar, mas eu achei mais importante estudá-la, observá-la, conhecê-la, sem perder tempo com mais nada. Por isso me calei até agora, para não perder tempo. É que tempo é coisa que é para todo o lado menos para o lixo… Tempo é para se usar até se gastar totalmente. E isso, foi o que eu tentei fazer, usá-lo todo, até ao fim, e acho que o fiz tão bem mesmo, que até me sobrou aqui um tempinho para ter dois dedos de conversa contigo.
O momento adensava-se, mãe e filho, olhos nos olhos, compenetrados em conversa de mudo.
- Continua filho, que mais falou ele?
- Então ele continuou assim:
- Sou filho de escuridão e de ausência, ao acaso, chamei-me João, só João. Logo de cedo, á luz da luz do meu nascimento, percebi que com poucos havia eu de contar pela vida fora. E assim o foi, cedo vim parar aos caminhos solitários dos campos, sem depois os deixar de percorrer um dia que fosse, até hoje, sempre só…Mas sabes que mais, a luz e companhia que me faltaram ao nascer, ganhei-a eu em vida. E sabes como a ganhei eu? Foi nos livros. Todos os dias me acompanharam e me iluminaram cada vez mais intensamente.
- Livro que dão luz! - Estranhei eu
- Verdadeira luz – confirmava o velho – Luz e não só, dão também companhia, e tem mais que eles dão. Queres que te conte um revelado segredo? Minha ponte que chega ao céu é toda ela feita com livros, livro sobre livro…
Eu o admirei, que ideia boa a do velho:
- Mas como conseguiu tanto livro? Perguntei-lhe eu.
- Eu mesmo os escrevi.
- Você os escreveu?!
- Enquanto dormia, escrevi-os. Respondeu-me o velho.
- Então você escreve a dormir?
- E releio-os acordado.
- Oh, não me acredito, escrever a dormir?!
- Pois podes acreditar, e até te digo mais, se conseguires acreditar, assim com muita convicção, também um dia serás capaz de o fazer. E com esses livros que escreveres, fazer também tua ponte para o céu. Tu já sabes ouvir livro?
- Ouvir como, os livros não falam…
- Claro que falam. Tu já andas na escola?
- Ao tempo, respondi todo convencido.
- Tão já devias saber ler.
- E sei!
- Dizias que não os sabes ouvir, e afinal sabes! Se sabes então ler, é tudo que tu precisas para aprender a escrever dormindo. Por isso trata de aprender a fazê-lo o mais rápido possível.
- Para quê?
- Vais saber…
- E dito isto mãe, o velho começou caminhando em direcção ao céu. Caminhava assim direitinho como se estivesse de pés bem assentes em invisível terra. Eu me embasbacava todo mãezinha. E ele ainda falava assim, lá de cima:
- Vês minha ponte?
- Não, respondia-lhe eu cá de baixo.
- Pois olha com força a ver se não consegues ver as letras.
- Pois eu olhava com força e nada vi-a, até que com o tempo, e com o velho cada vez mais pequeno lá do alto, comecei por ver, cada vez mais nitidamente, e, até a ouvir a ponte de letras do velho...
-Pronto já chega, – interrompeu bruscamente minha mãe – Nem mudo fala, nem homem caminha para o céu, nem há ponte nenhuma feita de letras, já chega. Nem que desgostei dessa sua imaginação, mas já chega de devaneios.
- Não mãe, o que te digo é a mais das verdades. E sabes mais uma coisa mãe, a partir de hoje, sou eu o novo pastor. Eu sei que o velho não volta desta sua viagem ao céu, por isso ele perdeu seu tempo falando comigo todas estas coisas. Ele perdeu seu tempo, para também nós aprendermos a construir as nossas pontes de letras.
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